Uma tempestade num copo d'água
«Então tu olhas para o meu copo d’água e dizes: “eu sou só um copo d’água, mas tu ficavas a olhar-me e a pensar nas bolhas e nos gelos e nos canudinhos e na transparência e se a água era isso ou aquilo. Água é só água, por que é que tu complicas a água?”. Então, apagaram a luz e eu quis esconder-me dentro do teu paletozinho de publicitário descolado e ouvir as tuas batidas descompassadas e embaladas pelo teu cheiro de alma boa. Mas tu pegaste na minha mão e continuaste a dizer que uma mão, muitas vezes, é apenas uma mão. Mas que eu insistia em olhar os buracos entre os dedos, os anéis que separavam os dedos, a dor da separação dos dedos, a gota da bebida gelada entre os dedos. E que tu não poderias suportar isso. A maneira como eu te olhava. Vendo mais, inventando mais, complicando mais. E eu quis dizer-te que tudo bem, eu seria uma menina simples. Eu mataria o meu narrador, as minhas possibilidades, os meus mundos, as minhas invenções. Só de ver os teus cachos mais grisalhos e roco...