Um gole e um beijo

Olho o copo alto, as bolhas do gás a surgir do nada e a subir com rapidez para o topo do líquido. As bolhas não param, estão frenéticas e aí vejo que a tua mão agarra o copo e leva-o levemente à boca. Bebes um gole de imperial, e o teu ar fica a navegar entre o vazio e o sabor da cerveja na tua boca, o fresco a descer-te pelo corpo, por dentro. Enquanto isso, eu perco-me primeiro nos teus lábios, tantas vezes já saboreados por mim, perco-me em todos os lugares onde o nosso beijo fora celebrado, todos os risos que interrompiam cada beijo, porque a vontade de rir era sempre maior que outra vontade qualquer contigo, porque sentia-me tão bem, tão livre, tão inteira, tão feliz, que a felicidade transbordava em todos os sorrisos que esboçava a teu lado. Depois, o meu olhar subiu ao teu, e ficou ali suspenso, naquela esplanada à beira-mar, onde tu olhavas os barcos ao longe, o outro lado da margem, um Cristo-Rei erguido, de braços abertos, pronto a abraçar uma cidade inteira que o olha do outro lado do rio e uma ponte vermelha sobre um rio calmo e cheio de brilhos do sol que se fazia sentir nessa tarde quente de Inverno. 
O meu olhar penetrava nos teus olhos, como tantas outras vezes, talvez vezes infinitas, porque o nós parece sempre não ter fim, o teu olhar sempre meigo, misterioso, meio-terra-meio-água, meio a dizer tudo e sem dizer nada, e eu pensava o que me levava ali desta vez, porque é que tinhas voltado agora, porquê agora, porquê eu, porquê e porque não... E tu, que me olhavas sempre defronte, sempre olhos-nos-olhos, num olhar calmo mas capaz de que roubar toda a alma e ler todos os meus pensamentos, sem respostas, apenas mais risos. Notas o meu olhar penetrado no teu, há minutos, horas, talvez anos. Quebras os meus pensamentos. Dás-me um beijo. Pegas na minha mão, com uma leveza e ternura que só tu consegues e com a outra mão, dás mais um gole na cerveja.



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